Caros camaradas e amigos:
Calma!... Não vai sair nenhum discurso político!... É só a continuação da "odisseia" que me propus narrar e para a qual, com o passar do tempo, verifico não ter jeito, temeridade, nem inspiração. Mas com a vossa paciência e alguma ousadia da minha parte, talvez consiga, pois de vez em quando dá-me a saudade e a nostalgia daquela época e tento voltar ao tema que é nada mais nada menos do que - A Caminho das Terras do Fim do Mundo.
Da última vez, tínhamos ficado no Luvuei, uma terra isolada no meio do nada.
Não só naquele dia, mas ao longo de toda a nossa permanência nas Terras do Fim do Mundo, fiquei com a certeza de que, se fosse possível balizar a zona do Inferno, da Guerra e da sua filha primogénita, a Morte, essas barreiras teriam de ficar entre o Luvuei e o Lutembo. E isto porque foi nessa zona que uma Companhia de Comandos, teve o seu maior número de baixas, foi nessa zona que, numa operação de lançamento de Comandos heli-transportados, o helí-canhão, pilotado por um capitão foi abatido, tendo o capitão, segundo julgo, perecido no acidente. Foi também nessa zona que, ao longo dos vinte e sete meses que estivemos para Sul, se verificaram os maiores "berbicachos" provocados pelo IN, como dizíamos naquela época.
Mas voltando à nossa caminhada rumo ao nosso destino – LUANGUINGA!...
Antes de partirmos do Luvuei, apesar de maçarico que era, em conversa com os "furriéis mais velhinhos", indaguei de como seria a zona e do que iríamos encontrar até ao nosso destino. Aí, levei o "baile" mais selecto que um "velhinho" poderá dar a um "mike".
Normalmente nestas conversas era da “praxe” cada um fazer render a sua valentia, caracterizando sempre a sua zona como a de maior perigo. Se lá estou e estou vivo sou um valente, digno de admiração. Mas não, ali passou-se precisamente o contrário!... Os meus "distintos" amigos, que tão bem me receberam, disseram-me que aquela zona, embora não fosse nenhum paraíso terrestre, não era má de todo. Por ali nunca tinham tido problemas de maior e tudo estava a decorrer sem problemas!... Era uma questão de deixar passar o tempo. Mas... Há sempre um “mas”!... Aqui há dias, disseram-me eles, ali junto à “Casa Branca"…(local que assim se chamava por ali ter existido uma casa com essa cor, cujas ruínas eram ainda bem visíveis. Nunca soube, nem procurei saber o porquê desta dita casa naquele local tão inóspito, na margem da picada)
Esclarecendo o “mas” a que me referi acima, aquele tinha a ver com uma "pequena mina", (na mensagem que queriam passar), que no local citado, tinha rebentado, num dos últimos MVL semanais naquele itinerário (Luso/Gago Coutinho), mas que fora motivo de preocupação!... Eram coisas que, de vez em quando, aconteciam e até não tinha causado estragos de maior...
As coisas ditas assim desta maneira, deram-me um certo alívio, sossegaram e tranquilizaram o meu medo e nervoso miudinho. O pior, foi quando lá chegámos!!! Dado que a viatura em que eu seguia não era das primeiras, vi que a metade da coluna que seguia à minha frente margeava a picada à qual regressava mais à frente. Curioso esperei para lá chegar e ver o que se passava!... A tal mina pequenita, tinha pura e simplesmente aberto uma cratera a toda a largura da picada!!!
Aí, os ditos cujos, que também podem ser frutos da planta solanácea, cujos frutos vermelhos tem aplicações culinárias e que em linguagem militar tem vários epítetos, caíram-me ao chão!.... Se aquela tinha sido das pequeninas e inofensivas, o que seria quando fosse uma a sério e daquelas que eu tinha já visto em Tancos, no meu curso de minas e armadilhas!...
Dali até Luanguinga, emudeci e decerto que era visível o meu "bom humor", dado o que me ia na cabeça e do qual não podia fugir.
Todavia, não há tempestade sem bonança. Depois de um dia extenuante quer moral quer fisicamente, quando nos preparávamos para dormir a primeira noite em plenas Terras do Fim do Mundo, eu, que continuava meditabundo e sem sono, ouvi a seguinte conversa entre dois furriéis, amigos de infortúnio ou talvez não!!!...
Dizia o primeiro, que tinha sido pai pouco antes de sairmos do "puto"(*), com uma voz cheia de pesar e saudade, como era natural depois de ver o buraco onde caímos:
- Dava tudo o que tenho, para poder estar agora junto da minha mulher e do meu filho/a!...
Rapidamente, responde-lhe o camarada do lado:
- Aproveita e dá-me um cigarro, que os meus já acabaram há muito.
Provavelmente que os dois intervenientes, já não se lembram disto, mas eu nunca mais esqueci aquela piada de fim de dia, do dia em que dobramos o nosso cabo "Bojador", que me fez rir e me ajudou a adormecer lá pela noite fora.
Por agora, como isto já se torna muito longo e fastidioso, vou aproveitar para sair de cena, não esquecendo de enviar saudações e um abraço a todos os camaradas e amigos(as) que já fazem parte da família "Panteras Negras".
Em Fátima encontramo-nos...
(*) "puto" - Portugal em linguagem indígena.